Pensei muito em como nomear esta matéria e optei pela mais limpa e que descreve com clareza o projeto de lei de número 5.069. Trata-se de omitir socorro à vitima de estupro, trata-se de expor uma mulher aviltada, humilhada e torturada a provar sua própria humilhação. Durante o protesto, realizado no dia 31 de outubro na rodoviária de Brasília com passagem pelo gramado da esplanada dos ministérios, tive o privilégio de olhar nos olhos de mulheres que, como eu, se sentem temerosas e assustadas. Estamos absolutamente desprotegidas. Seja pela fragilidade de nossos corpos, ou pela opressão a qual somos subjugadas todo dia (namorado, patrão, pai, mídia, professor...), ou por este Estado tenebroso e medievo que toma cada vez mais espaço no cenário político brasileiro. Eu tô com medo. 

Medo de abrir os olhos e me dar conta de que meu pior medo se tornou realidade: não sou alguém. Não sou gente. Sou um pedaço de carne sem valor social a não ser pelo sexo entre minhas pernas. Minha vida, alma e consciência não existem, foram se extinguindo, destruídas, consumidas até a última migalha. Chorei repetidas vezes no protesto, estava feliz por não estar sozinha, estava ali por elas e elas por mim, mas ao mesmo tempo me sentia apavorada porque em cada rosto, sorriso e lágrima exatamente a mesma fragilidade que habita meu corpo. Estamos sós, absolutamente tristes e sós, eu temia por mim; temia por elas e temia a polícia que empunhava cassetetes e fazia cara feia para um bando de mulheres de batom e com cartazes (wow, como devemos ser perigosas!). 




Meus sorrisos e lágrimas eram pelas famílias que vieram, pelas mães que trouxeram seus bebês de colo para participar do evento, pelos pais e mães que estavam ali para certificar-se que seu pequeno filhote não fosse tratado como criatura sem alma e sem vida, uma coisa que pudesse ser violada, e espancada para depois ser desemparada pelo Estado. Sorria da ingenuidade de garotas mais jovens do que eu, não sei se sorria pela coragem que via ou por inveja, porque, de alguma maneira, elas acreditam que podem fazer alguma coisa. Vi cartazes agressivos,  clamores e medo em tinta vermelha, o meu? percebi que meu cartaz era como a das mulheres mas velhas, tinha a lógica da experiência e a sobriedade da observação. Sei que elas não deixaram de acreditar, vi em seus olhos que jamais deixariam de lutar, tava claro isso; mas alguma coisa destoava, nelas eu via confiança, em mim eu via medo, tremor nas mãos e raiva, muita raiva. 

Acreditei que nesse ano, teríamos vitórias, no entanto lá estava eu, na rua, para impedir que nos tomassem um direito, para que nenhuma de nós fosse jamais obrigada a gerar o filho de um estupro. Lá do alto da escada era possível ver tudo e mais uma vez me irritou nossa solidão, éramos um barulho de mulheres, homens e crianças no meio de uma rodoviária lotada de pessoas dando continuidade às suas atividades diárias. Sem se incomodar. Éramos poucas porque somos 51% da nação, muita gente que não quis, não achou importante, muita gente protegida por seguranças, escolas caras, carros e pais ricos. A individualidade não é uma bom código de conduta.




Meu cartaz não nomeava. O Cunha não é o culpado, ele é o porta-voz dos culpados, aqueles que insistem em tratar o sexo feminino como nada, segundo a PL aquela que for violentada precisa provar o estupro "para se possível" receber socorro médico. Ainda segundo a pl os profissionais da saúde podem se recusar a informar e oferecer os cuidados necessários à vítima. Ora essa é a pl do estupro, ela protege o criminoso e criminaliza a vítima. Se você se encontra entre aqueles que creem no Cunha eu preciso lhe dizer que semelhante projeto não tem razões religiosas ou familiares, mas sim políticas, o infame deputado procura conseguir muitos votos daqueles que são tolos o suficiente para acreditar que ele representa a justiça, Cunha não é anti-Dilma, ele é um pró poder para ele mesmo. 

Trata-se de uma simples e clara disputa de poder, de uma enfermidade crônica que procura manipular o povo, dizer que fala em nome de Deus enquanto enche as burras de dinheiro e votos irresponsáveis. O deputado representa um caso sério de perversidade aguda que não terá limites a não ser que façamos alguma coisa. A pl. 5.069 que protege o estuprador é amostra de um grande problema social: o machismo. Se achar superior à mulher a ponto de transformá-la de coisa viva a objeto inanimado não é e nunca será um projeto de Deus, não é e nunca será correto, não é e nunca será humano. Eu continuo com medo mas eu vou, grito, choro, sorrio, oro e clamo, não sei se meu medo está pra virar realidade, mas eu sei que não tenho permissão pra me calar! Se calar ante a perversidade é praticá-la você meso, escolha um lado, lute conosco por segurança, respeito e um mundo melhor.