Dez. Esse é número de pessoas que perdi para o corana vírus, 10 vidas, uns mais jovem, outros mais velhos, mas não importa a idade, o gostar não tem limites, muito menos o sofrer. No dia que faleceu meu antigo pastor fiz uma sessão de box que foi quase catártica, acertava a luva de foco tentando me libertar da tristeza e raiva que me abatia, mas está aí o impossível porque abatimento não é uma opção.
 

Não é opção porque o Brasil é governado por um criminoso, alguém que apoiando torturadores foi eleito chefe de Estado do meu país, diabólico né? muito! Imagina meu lugar de solidão porque minha cristandade torna impossível ver sofrimento, maldade e ignorância entre meus pares sem sentir completa e absoluta tristeza. A solidão que experimento no meio evangélico é compartilhada por outros, mulheres e homens assustados pela barbárie do discurso que colocou o Brasil no caos. Em função do desgoverno, por causa daquele cujo o gesto máximo é uma arma, para assassinar os opositores, morreu no mês de junho mais um querido, o décimo.

 

Hélio Barros Leite era protestante pertencente a mesma doutrina que eu, partilhávamos da fé no mesmo Deus e das mesmas convicções políticas. Hélio foi candidato a vereador  na cidade de Gurupi, era esposo, pai, avô, vizinho, amigo, colega de trabalho e querido, muito querido pelos seus. Do irmão em Cristo e amigo guardo boas lembranças: brincávamos de bola no piso cinza e limpíssimo da sua casa, assistíamos filmes enquanto a esposa e minha mãe jogavam conversa fora, serei eternamente grata porque me apresentou o gênero de suspense. Lembro das suas inúmeras tentativas em me ensinar a driblar, nunca consegui, era mais fácil tomar a bola e sair correndo ou chamar minha mãe. Éramos sempre bem recebidas na casa limpíssima, absolutamente impecável que ele e a esposa conservavam. Lembro muito bem da sua voz calma, sempre disposto a fazer alguém sorrir. 

 

Gostaria de oferecer conforto aos familiares, dizer que a dor vai passar. Não sei quem me lê, não faço ideia se já perdeste alguém, mas me permita esclarecer que a sensação de quem perdeu um ente para o covid não é igual a qualquer outra.  Não perdemos queridos porque "era para ser", mas sim porque Jair Bolsonaro recusou-se a tratar a pandemia como problema, recusou-se a lidar com as centenas de mortos que espalhavam-se pelo país e minimizou o problema. O presidente recusou-se a investir nas pesquisas da USP e a comprar vacinas.

 

Perdemos familiares porque o governo superfaturou a compra da vacina, que somente se dignou a fazer depois 400 mil mortes, oportunidade escolhida para superfaturar a compra do produto. 300 mil mortos depois o governante fazia troça da asfixia que sentiam nossos familiares nas UTI, aqueles que conseguiram UTI, vale ressaltar. Muito de nós, não digo um ou dois, centenas e centenas de brasileiros viram seus queridos expirar nos corredores de hospitais que já não tinham leito ou unidade intensiva. Mulheres e homens que viram cônjuges, pais e amigos morrerem na ambulância do SAMU, muitas vezes em seus braços. Gente que acompanhou a agonia da asfixia, a incapacidade respiratória enquanto, na TV, o presidente imitava o enfermo, ridicularizava a falta de ar, razão frequente do óbito por covid-19.


Muitas coisas passam na cabeça, especialmente como teria sido se o Brasil tivesse um presidente, alguém capaz de lidar com o problema que assolou o globo em 2020. Me custa a crer que meu Senhor Jesus foi torturado para que centenas de anos depois alguns usassem seu nome para eleger a barbárie, a complacente violência, a legalização das milícias no Rio de Janeiro, para eleger alguém que não somente valoriza a tortura como vê no torturador a figura do herói, diabólico né? Meu herói morreu na cruz do calvário e ressuscitou, o discurso do Senhor Jesus em nada se assemelha aquele de 2017, 2018 e 2019, até porque meu herói não mente, quem é mesmo o pai da mentira, cristãos? quem é mesmo aquele que diz uma coisa em cada vídeo e depois nega aquilo que disse antes? quem é mesmo aquele que impede o trabalho investigativo da polícia e dia sim, dia também conta mais mentiras?

 

A verdade é que por causa da maldade e conivência de muitos o covid-19 matou mais, a negação da enfermidade levou muitos, 500 mil e contando. Hélio Barros Leite, esposo, pai, vigilante, amigo da minha família não morreu, mas como outros tantos Hélio foi morto, faz agora parte das pessoas descartadas pelo governo que disse: "os velhinhos vão morrer, velhinhos morrem mesmo!" Morrem velhinhos, morrem jovens, mas tanto faz para o governo, os brasileiros são descartáveis. O Hélio poderia estar em casa na companhia da esposa que agora lida com a cama vazia, a Fernanda poderia estar com o esposo e os filhos que não têm mais o abraço materno, descartáveis para aquele que usa a faixa presidencial e para os que votaram 17. 

 

Lidar com a morte é sempre um desafio e minha sugestão é orar, pedir a Deus que traga paz e conforto ao coração para sobreviver ao que parece ser uma dor sem fim. Tens acompanhado a CPI? Convidados a prestar depoimentos pela CPI da covid, provenientes da base aliada do governo ou não, deixaram claro, alvo como a neve diria o hino, de que o presidente deu ordens para que a Fiocruz, Instituto Butãnta e USP parassem com a pesquisa e produção de vacinas. Tudo leva a crer que já planejavam o superfaturamento das vacinas cuja a compra seria protelada até que o número de mortos fosse tamanho que a impressa desse graças a Deus por qualquer vacina que chegasse. Outra hipótese é de que o intuito era o extermínio daquele que não pode abandonar o trabalho ou evitar a rua, do "pobre que tem fetiche com ensino superior". Torcendo para que a CPI descubra aquilo que está coberto.


Para você talvez sejam 500 mil mortos, número qualquer que estampa manchetes, pode ser que sim, mas para mim são 500 mil e mais 10. Dez pessoas das quais lembro o rosto, a voz e o sorriso, entre as dez pessoas estão aquelas que apareciam nas minhas festas de aniversário, que explodiam balão comigo e roubavam docinhos antes da hora, dentre as dez está a amiga da prima que sempre me dava um cheiro e elogiava meu cabelo. Dentre as dez está o Hélio que zoava comigo por não ser tão alta, está o pastor que sempre me recebia com carinho e tinha conselho ou sorriso para compartilhar. Dentre as dez pessoas... não sei se ou quais viveriam 5,10 ou 30 anos a mais, o que sei é que morreram enquanto Fiocruz e governo de São Paulo trabalhavam às escondidas produzindo as vacinas que o presidente do país deixou perder nos galpões da força área.


São dez vozes que nunca mais vamos ouvir, dez sorrisos que não mais veremos, dez abraços levados pelo covid-19 enquanto a câmara do Rio de Janeiro lutava para levar a público o esquema de rachadinhas da família Bolsonaro. A eleição de 2022, na urna eletrônica, precisa externar o amor ao próximo, mandamento máximo. Não vote para defender sua classe social, seus privilégios, gênero ou denominação religiosa, vote por uma democracia que garanta a você o direito de viver.